quarta-feira, 18 de abril de 2012

Tradução do Livro:




Sobre as Divinas Imagens[1]
– São João Damasceno –


Primeira Apologia de São João de Damasco contra aqueles que atacam as divinas imagens

1.
Apesar de ser melhor estar consciente de nossa indignidade e confessar nossos pecados diante de Deus, sempre é bom e necessário falar quando os tempos o exigem, pois eu percebo a Igreja que Deus fundou sobre os apóstolos e profetas, sendo Cristo Seu filho sua pedra angular,[2] atirada a um mar revolto, agitada por ondas revoltas, assediada e atribulada pelos assaltos de espíritos malignos. Homens ímpios buscam despedaçar a túnica indivisa de Cristo e dilacerar Seu corpo em pedaços: Seu corpo, que é a Palavra de Deus e a antiga tradição da Igreja. Por isso, considero sem razoabilidade guardar silêncio e refrear minha língua, trazendo à memória o lembrete da Escritura: "Se ele retroceder, minha alma não tem prazer nele",[3] e "Se tu vês a espada vindo e não avisas a teu irmão, eu requererei seu sangue de tua mão".[4] O temor me compele a falar; a verdade é mais forte do que o poder dos reis. Eu ouço Davi, o ancestral de Deus, cantando: "Eu proclamarei os teus testemunhos diante dos reis e não serei envergonhado".[5] Portanto, eu sou contristado a falar de fato mais veementemente, visto que as palavras expressas de um rei devem ser temíveis a esse respeito. Ainda poucos homens podem ser achados que conhecem suficientemente para, mesmo que a autoridade terrena dos monarcas venha do alto, desprezar as leis iníquas de reis.
2.
Antes de tudo, eu mantenho o ensino da Igreja, por meio do qual a salvação nos é ministrada, enquanto fundamento e pilar. Assim, procurarei demonstrar que o significado deste ensino é evidente, pois isto é tanto o ponto de partida como a linha de chegada da corrida; um cabresto de um cavalo firmemente freado. Por isso, percebo uma grande calamidade quando a Igreja, prosseguindo em uma superioridade preguiçosa e adornada com os altos exemplos dos santos da antiga aliança, pode retroceder à fraqueza e mendicância dos primeiros rudimentos do mundo,[6] e ser grandemente amedrontada quando não há nada a temer.[7] É de fato desastroso supor que a Igreja não conhece a Deus como Ele realmente é; que ela tem se degenerado pelo caminho da idolatria, visto que se ela declina um iota da perfeição, isso será uma mancha em sua face irrepreensível, destruindo por sua feiúra a beleza do todo. Uma pequena coisa não é pequena quando isso conduz a uma grande coisa; não é pois uma matéria irrelevante esquecer a antiga tradição da Igreja que foi preservada por todos aqueles que foram chamados antes de nós, cuja conduta nós deveríamos observar, e cuja fé deveríamos imitar.
3.
Em primeiro lugar, antes de lhes falar, eu imploro ao Deus Altíssimo, diante de quem todas as coisas estão desnudas, para abençoar as palavras dos meus lábios, pois Ele conhece meus humildes propósitos e sinceridade de intenção. Torne Ele a freiar minha boca e direcioná-la em Sua direção e fazer-me caminhar em Seu caminho reto, não me desviando para a direita, como também não me permitindo convencer de qualquer coisa à esquerda. Em segundo lugar, eu peço a todo o povo de Deus, a nação santa, o sacerdócio real, junto com aquele que tem sido chamado para pastorear, em sua própria pessoa, o rebanho do sacerdócio de Cristo, que recebais meu tesouro com bondade. Que não olhem a minha indignidade, ou esperada eloqüência, pois estou consciente de minhas limitações. Ao contrário, devem considerar o poder de seus próprios pensamentos. O reino dos céus não consiste de palavras, mas de obras. Meu objetivo não é conquistar, mas prontificar-me a lutar pela verdade – uma prontidão que é socorrida pelo guiar dAquele que é todo-poderoso. Assim, contando com a verdade invencível como meu socorro, começarei meu tratado.
4.
Eu evoco as palavras dAquele que não pode mentir: "O Senhor nosso Deus, o Senhor é o único Senhor"[8] e "Adorarás ao Senhor teu Deus e só a ele servirás", e "Não terás outros deuses".[9] "Não farás para ti imagens de escultura ou de qualquer semelhança de tudo que haja em cima nos céus ou em baixo na terra",[10] e, "envergonhem-se todos os adoradores de imagens que se gabam de seus ídolos sem dignidade".[11] E, de novo, "os deuses que não fizeram os céus e a terra perecerão da terra e de debaixo dos céus".[12] Deste modo, e de uma maneira semelhante, Deus falou nos tempos passados aos pais pelos profetas, mas nestes últimos dias falou-nos pelo Filho, por quem Ele fez os séculos.[13] Ele diz: "Esta é a vida eterna: que eles te conheçam, o único verdadeiro Deus, e a Jesus Cristo, a quem tu tens enviado".[14] Eu creio em um Deus, a fonte de todas as coisas, sem começo, incriado, imortal e inacessível, eterno, infinito, incompreensível, incorpóreo, invisível, incircunscrito, sem forma. Eu creio em um Ser supra-essencial, uma divindade maior do que a nossa concepção de divindade, em três pessoas: Pai, Filho, e Espírito Santo, e adoro somente a ele. Eu adoro um único Deus, uma só divindade, mas eu adoro três pessoas: Deus o Pai, Deus o Filho feito carne, e Deus o Espírito Santo, um único Deus. Eu não adoro a criação em lugar do Criador, mas eu adoro Aquele que se tornou uma criatura, que foi formado como eu fui formado, que se vestiu a Si mesmo da criação sem enfraquecer-se ou separar-se de Sua divindade para que Ele pudesse elevar nossa natureza à glória e fazer-nos participantes de Sua divina natureza. Junto com meu Rei, meu Deus e Pai, eu adoro Aquele que, em púrpura real, se vestiu a Si mesmo de minha carne, não como uma veste transitória, ou como se o Deus encarnado constituísse uma quarta pessoa da Trindade – Deus tenha piedade! A carne assumida por Ele é feita divina e assim permanece após sua elevação. A natureza corpórea não foi perdida quando ele retorna à divindade, mas exatamente como o Verbo se tornou carne permanece Verbo, assim também a carne se tornou Verbo e permaneceu carne, sendo unida à pessoa do Verbo. Por isso, eu delimito corporalmente uma imagem do Deus invisível, não enquanto invisível, mas enquanto tem se tornado visível por nossa causa a fim de participar da carne e do sangue.[15] Eu não delimito uma da divindade imortal, mas eu pinto a imagem do Deus que se tornou visível na carne, pois se é impossível fazer uma representação de um espírito, quanto mais impossível é descrever o Deus que dá vida ao espírito?


Rev. Jário Carlos S. Jr.
Quaresma, 2010
Missão Ortodoxa São João Crisóstomo
Pernambuco
Brasil






[1] A presente tradução para o português teve como base a tradução para o inglês feita por David Anderson, On the Divine Images (Crestwood, N. Y.: St. Vladimir´s Seminary Press, 1980), a qual seguiu a tradução publicada por Thomas Baker, em inglês britânico, de 1898, conhecida como a "versão ampliada e revisada de Mary H. Allies" (David Anderson, On the Divine Images, p.12, introdução). A tradução de Anderson procurou evitar a linguagem arcaica da tradução britânica, além de ter usado o texto grego providenciado no Volume 94 da Patrologia Grega de Migne, e de precisar, em alguns momentos, consultar o texto latino. As únicas omissões envolvem certo número de referências patrísticas da terceira apologia, cf. indica a nota 190 a seguir.
[2] Ef. 2:20.
[3] Heb. 10:38.
[4] Ez. 33:8.
[5] Sal. 119:46.
[6] Gál. 4:9. A expressão aqui, se traduzida literalmente, é: "espíritos elementares". A opção por "primeiros rudimentos do mundo" segue a tradução do v. 9 de Gál. 4.
[7] Sal. 52: 4 (LXX).
[8] Deut. 6:4.
[9] Deut. 6: 13 (parágrafo).
[10] Êx. 20:4.
[11] Sal. 97:7.
[12] Jer. 10:11.
[13] Heb. 1:1-2 (parágrafo).
[14] Jo. 17:3.
[15] Cf. Heb. 2:14.

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